Os moradores das comunidades Buraco Quente e
Comando, no cruzamento das avenidas Jornalista Roberto Marinho e Washington
Luís, região do Campo Belo, na zona sul paulistana, estão revoltados com o
processo de remoção de suas casas, no contexto da construção da Linha 17-Ouro do
Metrô, que vai ligar o Morumbi ao Jabaquara e ao aeroporto de Congonhas.
Há quatro meses uma cena se
repete, reveladora do desrespeito, do autoritarismo e da falta de transparência
com que o governo do estado de São Paulo trata as famílias: um funcionário do
Metrô chega e coloca uma marcação com um número na parede da casa. Na placa, os
logos Metrô e da CDHU. Os funcionários informam que a moradia será removida
devido às obras. E só. Duas semanas depois, outra equipe entrega uma relação de
documentos que devem ser apresentados em data determinada, no endereço informado
por eles. Lá o morador descobre que está participando de um processo de "adesão"
a um programa habitacional da CDHU, com auxílio-aluguel de R$ 400 por mês, até a
hipotética obra ficar pronta, ou a uma avaliação da moradia para possível
indenização, que chega no máximo a R$ 119 mil.
A RBA esteve nas
duas comunidades e ouviu esse relato de várias pessoas, entre elas a dona de
casa Adelaide de Jesus. Com as notificações e fichas cadastrais à mão, ela
conta: “Eles entregam o documento e mandam a gente preencher. Só entendi que era
isso quando fui pela primeira vez na reunião, depois de ser convocada. E toda
vez eles dizem que falta documento, mas não explicam exatamente o que está sendo
feito”, disse Adelaide.
Nada menos do que 400 famílias
serão removidas do local, segundo informações da CDHU. No entanto, dos projetos
disponíveis no site da prefeitura de São Paulo, que tratam do impacto das obras,
não consta qualquer remoção na área onde se localizam as comunidades. Além
disso, o local não está destinado a estação, área de manutenção ou
estacionamento. Mesmo a via de monotrilho que seguirá pela avenida Washington
Luis até o aeroporto passa ao lado, e não sobre as casas. A assessoria do Metrô
limitou-se a informar que a comunidade está no traçado do monotrilho, por isso
será removida, e que serão construídas habitações no local.
A aposentada Euzina do Rosário,
de 58 anos, que vive na comunidade há 50, está revoltada com a forma como a
população é tratada. “Não quero sair daqui. Toda minha história, meus filhos,
meus netos, tudo eu vivi aqui. Quando viemos morar aqui não tinha prédios, não
tinha mercado, a Washington Luis era uma pista só. Agora que o bairro cresceu,
ficou chique, veio o progresso, os pobres atrapalham e têm de sair?”,
indigna-se. “Onde vou conseguir uma casa que caiba toda minha família, com essa
indenização?”, questiona ela, que vive com as filhas, genros, filhos, noras,
netos e bisnetos, totalizando 20 pessoas, no mesmo espaço.
De acordo com a conselheira
tutelar Néia Arantes, de 44 anos, o Metrô e a CDHU estão agindo de má-fé com a
população das comunidades. “Não houve estudo de impacto social com as famílias
que vivem aqui há muitos anos, que tem muitas crianças em idade escolar. O
acompanhamento é precário e não existe projeto de habitação da CDHU que sustente
a afirmação deles de que serão construídas unidades habitacionais neste local”,
explica Néia. A conselheira afirma que, no início, o Metrô informou que
precisaria apenas da faixa mais próxima à avenida Washington Luís, mas agora vai
remover as duas comunidades inteiras.
O motorista Luciano Pereira, de
48 anos, afirma ter ido morar no Comando em 1973. Ele relata que, além da falta
de informações, a comunidade tem sofrido ameaças. “Indenização não vai resolver,
não dá para comprar outra casa na região. Quero outra casa. Mas eles não
apresentaram projeto de moradias, só promessas. E já teve funcionário da CDHU
que disse que se a gente não aceitar os termos, vai sair sem nada”, disse
Pereira. O motorista questionou o fato de a indenização considerar no máximo dez
anos de residência no local. “Construí minha vida aqui”, disse.
A aposentada Terezinha Alves, de
63 anos, tem uma razão a mais para se preocupar. Não só terá de sair da
comunidade onde vive há 26 anos, como não receberá indenização ou moradia da
CDHU. “Disseram que existe uma casa da CDHU no meu nome, comprada pelo meu
ex-marido, e que por isso eu não tenho direito a nada. Estou separada dele há 26
anos e nem sei onde ele vive. Procurei a Defensoria Pública e me disseram para
pedir tudo isso por escrito à CDHU, mas os funcionários se negaram a me entregar
qualquer documento e agora não sei o que fazer”, lamenta Terezinha.
O assistente social Geilson
Sampaio, que viveu 25 anos na comunidade e cuja mãe ainda vive lá, diz que a
comunidade quer respeito e transparência no processo. “A única coisa que as
empresas mostram é uma maquete dos prédios. Não informam as pessoas, não
apresentam documentos. Procuramos o Ministério Público e foram marcadas duas
reuniões, entre comunidade, Metrô e CDHU, para discutir o processo. Porém, ambas
foram canceladas de última hora e agora a comunidade está por conta”, desabafa
Sampaio.
A RBA tentou por
diversas vezes nos últimos dias falar com a promotora de Habitação e Urbanismo
do Ministério Publico do Estado de São Paulo, Karina Keiko Kamei, que, segundo
os moradores, foi avisada por eles sobre a situação. Até o fechamento da
matéria, ela não atendeu à reportagem
Arrependimento
Os moradores que já deixaram a
comunidade estão arrependidos. Elias Simões, de 33 anos, observava, com a esposa
e três filhos, a casa que deixou, agora parcialmente destruída. “Aceitei R$ 100
mil de indenização e só consegui comprar uma casa como a que tínhamos aqui na
cidade de Embu Guaçu. Fiquei com medo quando disseram que tínhamos de sair, que
iam passar o trator, que o juiz ia mandar sair de qualquer jeito”, lamenta
Simões. O ex-morador afirma que os funcionários do Metrô e da CDHU “arrebentam”
a casa logo depois que o morador sai, “para evitar arrependimentos”.
As famílias que permaneceram no
local afirmam ainda que as casas abandonadas têm causado transtornos. “Os
funcionários inutilizam a casa e o entulho fica todo aí. Coisas que as famílias
deixaram para trás são deixadas nas casas, servindo de criadouro para ratos,
baratas e mosquitos. Além disso, as casas vazias têm sido invadidas por usuários
de drogas, pondo em risco a segurança de quem vive aqui”, diz Sampaio.
Questionada sobre as denúncias
apresentadas pelos moradores, a CDHU emitiu nota informando que está prestando
"toda a assistência" aos moradores e que serão construídas aproximadamente 432
unidades habitacionais no local onde estão as comunidades. Mas admitiu que “o
empreendimento está em fase de levantamentos e projetos”.
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