Em 2014, causou polêmica uma propaganda do Metrô veiculada
na Rádio Transamérica em que um personagem chamado Gavião diz gostar do
trem lotado porque "é bom pra xavecá a mulherada, né mano?! (sic)".
Tudo
isso combinado à discussão da proposta de adesão ao famoso "vagão rosa"
no sistema metropolitano de São Paulo – que significaria separar vagões
exclusivamente para mulheres em horários de pico, como ocorre no Rio de
Janeiro – levou Ana Carolina Nunes, de 24 anos, e Nana Soares, de 23, a
decidirem fazer alguma coisa.
Elas não são funcionárias, são
apenas usuárias do metrô há anos e se cansaram de ver casos de assédio
ou abuso se multiplicarem nos vagões – Ana, inclusive, sofreu com esse
problema quando era adolescente e não sabia como se defender. Hoje, ela é
faixa preta de jiu-jitsu, mas não tem a mínima vontade de usar suas
técnicas de luta para se defender de agressores sexuais no transporte
público. Por isso, optou por procurar outros mecanismos para combater o
cerne do problema.
"No começo do ano passado, estava muito em
evidência, foram uns três casos de estupro em coisa de um mês", disse
Ana Carolina à BBC Brasil. "Me dava desespero porque, para mim, parecia
muito óbvio que o Metrô e a CPTM só em se comunicarem já poderiam fazer
alguma coisa. Uma simples campanha já causaria muito impacto, e eu
pensava: será que eles não percebem isso?"
Jornalista de formação e
pesquisadora de políticas públicas por interesse, Ana foi buscar ajuda
primeiro com a colega de profissão Nana, também jornalista, e
especialista no tema da violência contra a mulher. Juntas, elas
procuraram o Metrô para sugerir atitudes – e cobrá-las depois – de
combate ao assédio nos vagões.
Mas a tarefa não foi tão simples
quanto parecia. "A gente elaborou sugestão em três eixos: prevenção,
responsabilização e foco na vítima. Eu achei que a gente ia fazer um
documento, protocolar e pronto. Achei que ia apresentar, eles iriam
entender e pronto. Não esperava que eles abrissem para eu discutir
junto", contou Ana.
Saga
Não foi
bem assim. Desde quando fizeram as primeiras sugestões, em maio de 2014 –
por duas vias: a ouvidoria do metrô e o canal de relacionamento –, até o
dia em que a campanha foi para os vagões (agosto deste ano), passou-se
quase um ano e meio.
"Uma coisa que pautou a conversa é que era
preciso quebrar o mito de que o agressor no metrô é o maníaco do parque.
Não é para falar com esse cara achando que ele é um psicopata", disse
Ana.
"Tem gente que faz porque acha que isso é uma brincadeira.
Então quando você faz uma campanha mostrando que isso é errado, quem faz
achando que é brincadeira não pode dizer que não sabia que é errado. E
argumentamos que era preciso também falar sobre a denúncia na campanha,
que ela é uma ferramenta importante de combate."
Nesse período,
elas passaram por cerca de seis ou sete reuniões, participaram do
primeiro treinamento com supervisores das estações, viram a gestão do
metrô mudar após a eleição do governo estadual e chegaram a achar que o
projeto iria por água abaixo.
"Eu me impressionei muito com a
burocracia. A gente convencia um departamento e aí tinha que passar para
outro. Isso me incomoda muito, foi quase um ano e meio entre falar com o
metrô e a campanha ir para os trens", disse Nana à BBC.
"Esse tempo não e o mesmo que o da usuária do metrô, não é o tempo em que o assédio acontece."
Na
primeira reunião, ainda houve um pouco de desconfiança. "Percebi que o
ponto mais crítico era fazer eles entenderem a gravidade da situação.
Para algumas pessoas, isso parecia mais evidente, para outras, não. São
empresas masculinas, dominadas por homens da base ao todo", comenta Ana.
"Eu
senti na primeira reunião isso de 'quem são vocês? e o que estão
fazendo aqui?'. Depois eles foram se acostumando e vendo que a gente
entendia disso, do tema violência de gênero. Dá uma diferença gritante
da primeira reunião com o primeiro treinamento. Tinha gente que achava
que isso não era importante", completa Nana.
Em uma palestra
explicativa para supervisores de estações sobre o que é assédio e por
que ele é ruim, elas contam que puderam ver estampado no rosto dos
funcionários do metrô a surpresa com que receberam as informações.
"Foi
falado que assédio não é elogio e etc. e, enquanto explicavam isso,
víamos que as funcionárias mulheres concordavam, mas os homens não
entendiam. É algo tão naturalizado que eles não entendem como isso pode
ser uma violência. E isso não é no metrô, é em qualquer lugar", contou
Nana.
Com a aproximação das eleições estaduais, houve uma parada
na evolução do processo, que só foi retomado em fevereiro deste ano –
sempre acompanhado de cobranças das duas. Apesar de o governador Geraldo
Alckmin ter sido reeleito, houve uma mudança de gestão, então foi
necessário retomar as discussões.
Mudanças
Acompanhando
de perto e de longe ao mesmo tempo – Ana Carolina e Nana não
participaram da concepção da campanha na agência de publicidade, mas
mantinham uma troca de e-mails frequente com o Metrô para saber o
andamento do processo –, as jornalistas foram chamadas para participarem
da campanha estampando uma das peças.
"Você não está sozinha.
Estamos unidas contra o abuso sexual", diz o cartaz que traz as duas
junto com uma funcionária do Metrô e outra usuária do transporte.
No
Metrô, a campanha está sendo veiculada por meio de cartazes
distribuídos nas linhas azul, verde e vermelha, pelos monitores nos
trens e também conta com a distribuição de panfletos nos horários de
pico, além de divulgação diária nas redes sociais.
Segundo a
Secretaria de Transportes Metropolitanos, "no Metrô, as
manifestações pelo SMS Denúncia (97333-2252) passaram de 10 casos em
2013 para 62 em 2015 (de janeiro a agosto)".
Ainda de acordo com
dados oficiais, dos casos denunciados, "89% dos abusadores descritos
pelas vítimas são detidos pelos agentes do Metrô e encaminhados para a
Delpom, Delegacia do Metropolitano, órgão responsável pela investigação
dos crimes no sistema metroferroviário paulista".
Ana Carolina e
Nana disseram que na CPTM a situação é um pouco mais complicada. Com
menos verba, sem tantas câmeras monitorando os trens e com muitos
funcionários terceirizados, fica mais difícil controlar e coibir o
assédio. Na CPTM, só está sendo veiculado pelas rede
sociais.
"Na CPTM não andou. Eles começaram campanhas nas redes
sociais, mas nem sempre tem orçamento. Houve dois casos da CPTM em que o
agressor era o próprio funcionário. E aí você pensa: por onde começar?
Na CPTM, o sistema é falho, a segurança é frágil, não há câmeras em
todos os trens, há um obstáculo estrutural."
Ainda assim, a CPTM
afirmou que recebeu 106 mensagens relacionadas a abuso neste ano e que,
"em 98% dos casos, os molestadores foram identificados, encaminhados às
delegacias e as usuárias registraram boletins de ocorrências".
Como
próximos passos, tanto Ana Carolina quanto Nana pensam em ver a ação
que elas levaram para o Metrô virar efetivamente uma política pública
para os transportes metropolitanos.
"Como essa ação não virou uma
política pública, acaba ficando jogado para as empresas. No começo a
gente falava: esse caso aconteceu na Barra Funda, e eles diziam: mas foi
na parte da CPTM ou do Metrô? Você acha que se o cara sai correndo com o
p**** pra fora atrás de mim, eu vou estar preocupada em olhar o lado da
estação que eu estou?", questionou Ana.
"Espero que isso seja o
início de uma mudança de cultura interna do Metrô, que ele precisa
também. Precisa de mais mulheres ali dentro. Não adianta fazer campanha
bonita para o público, se dentro não faz nada", afirmou Nana.
Fonte da Notícia & Imagens: BBC Brasil
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