A medida em que aumenta o número de usuários do Metrô de São Paulo,
cresce também os casos de abusos nos trens. Para conter está pratica que
coloca em risco as usuários e usuários, o Metrô lançou uma campanha que
incentiva a denuncia de quem passar por esta situação.
Com a frase “Você não esta sozinha”, cartazes fixados nos trens
incentivam a denuncia. O passageiro deve relatar os abusos a um dos
funcionário do Metrô, ou usar o SMS-Denúncia, por meio do número
97333-2252.
No relato a seguir, a usuária e uma das idealizadoras da campanha
conta como foi o caminho entre a ideia e o lançamento da campanha:
Por Nana Soares
Quase um ano e meio atrás, eu estava preocupada com a
possibilidade de São Paulo ter um ‘vagão rosa’, o trem exclusivo para
mulheres usado em algumas cidades para diminuir o assédio sexual no
transporte. Na época, pipocavam denúncias de assédio no metrô e a
sociedade pedia uma resposta.
Foi aí que um belo dia minha amiga incrível chamada Ana Carolina
Nunes, um ser humano inquieto por natureza, me jogou a ideia de
sugerirmos ações para o Metrô combater o problema do abuso e assédio
sexual. A Ana tinha o conhecimento técnico de como lidar com comunicação
pública, crises e outros aspectos de gestão. Eu só tinha a boa vontade e
algum conhecimento em violências de gênero. Mas bastou: logo elaboramos
uma série de medidas a serem tomadas pela Companhia para prevenir,
combater e punir esse crime. Com a ajuda de um amigo trabalhando na
empresa, enviamos o documento para a Diretoria de Relacionamento com o
Usuário.
Nossa sugestão era um plano de ação transversal do Metrô para
enfrentar o problema, baseado em três diretrizes: prevenção,
responsabilização e foco na vítima. Dentre as medidas estão a
sensibilização e reciclagem dos funcionários (de todas as áreas, mas
principalmente aqueles que lidam com as usuárias e usuários), pesquisas
para avaliar a dimensão do problema, peças de comunicação, criação e
melhoria dos mecanismos de denúncia e promoção do debate sobre assédio
sexual e desigualdade de gênero. Alguns meses depois fomos convidadas a
apresentar nossa proposta pessoalmente a diretores do Metrô.
Na primeira reunião, eles pacientemente nos ouviram explicar
porque era importante falar de assédio e porque era imperativo que algo
fosse feito. Enfatizamos que falávamos da proteção de 58% das pessoas
que utilizam o serviço. Também explicamos que agir iria sim trazer
efeitos colaterais como o aumento do número de denúncias (que podem ser
interpretados erroneamente pela imprensa) e que, por isso, tudo
precisaria ser feito com cautela e planejamento.
Saímos desacreditadas da reunião porque tomamos alguns banhos de
água fria e/ou choques de realidade, mas pelo menos conseguimos expor
nosso ponto e plantar a semente da discussão. Aí fomos nos reunindo com
outros setores, como a Segurança. O diretor me trouxe um dado
inesperado: 89% das denúncias de assédio têm sucesso. Isto é, o Metrô
consegue encaminhar o agressor até a Delegacia. Eu nem imaginava isso e
então percebi que precisávamos aumentar as denúncias, porque o Metrô
indica ter estrutura para responder a elas.
Nesse vaivém de reuniões, com as sugestões sendo acatadas pouco a
pouco (obviamente com algumas mudanças), ainda enfrentamos alguns
obstáculos de política e burocracia: eleições estaduais, mudanças de
diretoria (incluindo algumas que já tinham sido sensibilizadas), festas
de fim de ano. E isso atrasou bastante o andar das coisas. Fomos retomar
o assunto de verdade só em fevereiro, já revendo e alinhando
estratégias e contatando pessoas que pudessem ajudar nos treinamentos.
Só que política pública demora. Eu e Ana Carol sempre fomos
informadas do andamento do processo, mas nós estamos do lado de fora.
Havia pouco a fazer, a não ser torcer para a ideia ser aceita nas
diferentes instâncias e reescrever mudanças necessárias.
Por não entender muito de gestão, não sei explicar com detalhes
toda a tramitação da ideia. O que consigo dizer é que, das pessoas com
quem cruzei, a maioria foi receptiva e entendeu depois de um tempo
porque era importante um olhar de gênero aí. O Metrô (assim como a CPTM)
é uma empresa super masculina e com uma reputação péssima no que diz
respeito a abuso sexual e segurança de mulheres, mas mesmo assim tivemos
sucesso em implantar a discussão. Até porque a sociedade estava
exigindo uma resposta para isso, o que pressiona as autoridades e
facilita muito o processo.
Mas tudo o que sugerimos custa tempo e dinheiro, e ambos recursos
são escassos. Contamos aí com a “sorte” (entre muitas aspas) de o Metrô
ter sido obrigado pela Justiça a dar uma resposta a um spot de rádio
muito infeliz que circulou ano passado (em que um personagem diz que uma
das vantagens de andar de metrô é a paquera), tornando assim possível
que a Campanha se materializasse. Tudo se resolveria com uma multa, mas
eles optaram por fazer uma campanha. E assim, em junho, fizemos as fotos
que agora circulam nos trens. Não opinamos na concepção das peças, isso
ficou a cargo do Metrô e da agência responsável. Nosso trabalho sempre
foi de bastidores: plantamos a semente e sugerimos abordagens
desejáveis, mas cabe ao Metrô operacionalizar. Nós ajudamos onde há
espaço.
Dois meses depois e voilà: a campanha chegou nas ruas. Acaba por
aí? De jeito nenhum. Nossa maior preocupação desde o início é enfatizar
que não basta estimular a denúncia se não mudar todo o resto. É bonito
estampar nos trens que o Metrô está olhando para a questão, mas isso tem
que ser verdade. Há ações internas nesse sentido, principalmente no
treinamento de agentes. Presenciei algumas e, até onde pude ver, a
Empresa está sim comprometida com a causa. Mas precisamos fiscalizar o
quanto disso será colocado em prática e mudará o que acontece na ponta. É
essencial haver mudança institucional, mas ela precisa chegar em todos
os cantos da Companhia (e acreditem, se tem algo que descobri nesse um
ano e meio é que a as coisas funcionam um departamento por vez).
Os desafios agora são muitos: para começar, por mais que o Metrô
esteja preparado, os casos não vão parar de acontecer. Simplesmente
porque o problema é maior que a empresa. É uma cultura machista, e
qualquer mudança cultural leva tempo. Um tempo que não aparece nas
pesquisas que medem a efetividade da Campanha. Depois, ainda pode haver
trocas de diretoria ou outras coisas que façam com que a causa perca
força internamente. Honestamente, é meu maior medo, e por isso temos que
fiscalizar para que essa política faça mesmo parte da cultura
permanente da Empresa.
Não dá para esquecer também que, por mais bem intencionada que
esteja a Companhia, o tempo dela e do usuário são completamente
diferentes. Passamos um ano elaborando isso tudo, mas o assédio não nos
esperou. Crimes exigem resposta imediata. E ainda tem um detalhe
importante: em termos de procedimento, operação, estratégia e afins, o
Metrô, a CPTM e a SPTrans são órgãos completamente diferentes. Isto quer
dizer que tudo isso que nós falamos só vale, a priori, para o perímetro
do Metrô. Mas para a usuária não tem essa diferenciação. E aí, como
lidar com isso?
Os quase 18 meses de gestação e maturação da ideia me fizeram
entender que as coisas são bem mais espinhosas do que parecem. A nós,
usuários, cabe denunciar, cobrar e incentivar outros a fazerem o mesmo. O
resto vem de dentro. Nada é simples, mas a complexidade do problema não
pode ser desculpa para não arregaçar as mangas e fazer o que é preciso:
tornar o Metrô e o transporte público um ambiente mais seguro para as
mulheres. Já passou da hora.
Fonte da Notícia & Imagem: Portal Via Trólebus
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