Pesquisa

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Promotoria insiste em ação penal contra cartel da Linha 2-Verde

Frota G do Metrô de São Paulo
O Ministério Público Estadual não desiste da ação penal contra o cartel da Linha 2 do Metrô de São Paulo. A promotoria recorreu da decisão judicial de primeira instância – 30.ª Vara Criminal da Capital – que rejeitou denúncia contra 6 executivos de multinacionais que teriam formado conluio para fraudar licitação da estatal paulista de transportes de massa.

A denúncia foi protocolada no dia 24 de março, imputando formação de cartel e fraude à licitação aos executivos Paulo José de Carvalho Borges Jr., Serge van Themsche, Haroldo Oliveira de Carvalho, Edson Yassuo Hira, Massimo Giavina-Bianchi e Murilo Rodrigues da Cunha.

No dia 7 de abril, a 30.ª Vara Criminal rejeitou a acusação, sob argumento da extinção da punibilidade dos denunciados, pela ocorrência da prescrição. O juiz da 30.ª Vara Criminal fundamentou sua decisão no fato de que as imputações de crime contra a ordem econômica e crime contra a administração pública, ‘tipificam, tão somente, o crime de fraude à licitação que prevê, dentre outras formas, o prévio ajuste ou combinação entre os concorrentes’.

O juiz considerou que deve ser aplicado “o princípio da especialidade no conflito aparente de normas, devendo prevalecer a mais específica, no caso, aquela prevista no artigo 90 da Lei 8.666.93 (fraude à licitação)”.

Para o juiz, trata-se de “crime formal, com consumação mediante o mero ajuste, combinação ou adoção de qualquer outro expediente com o fim de fraudar o caráter competitivo da licitação”. Ele indicou a consumação em 25 de janeiro de 2005. Decorridos 8 anos daquela data, o juiz entendeu por decretar a prescrição.

“O julgador, desta vez, não andou bem”, reage o promotor de Justiça Marcelo Mendroni, especialista em investigações sobre cartel.

Para o promotor, “ocorrendo situações em que se constate que as empresas formaram cartel para crime contra a ordem econômica e depois, formado o cartel, fraudaram licitação pública – crime contra a administração pública –, nada impede que sejam imputadas ambas as condutas aos respectivos responsáveis, em concurso formal ou material”.

Mendroni é taxativo: “O crime de cartel é dinâmico, com alterações entre empresas na disputa da predominância do mercado e, para tanto, com eventuais manipulações dos consórcios.”
Ele assinala que “o crime de fraude à licitação é estático, fixando as empresas (ou consórcios) a sua meta e o seu objetivo nos termos da divisão de uma determinada licitação”.

“Os atos criminosos são praticados em face e em vista da almejada licitação”, alerta Mendroni. A denúncia da linha 2 do Metrô é uma das cinco que o promotor levou à Justiça contra o cartel que teria atuado entre 1998 e 2008 em São Paulo. Para o promotor, os executivos das multinacionais se uniam “sabendo previamente quais empresas seriam as vencedoras”.

“Através de acordos fraudulentos, estabeleceram e direcionaram os consórcios, vencedor/perdedor, este com proposta pro forma, dividiram o mercado e o preço final superfaturado, violando assim criminosamente as leis naturais da economia, especialmente a da livre concorrência”, adverte Mendroni.

Duas denúncias foram rejeitadas inicialmente, uma pela 7.ª Vara Criminal, a outra pela 30.ª Vara.
A decisão da 7.ª Vara, que também havia apontado prescrição dos delitos atribuídos a executivos do setor metroferroviário, já foi derrubada por Mendroni, em mandado de segurança ao Tribunal de Justiça.

Agora, o promotor insiste na abertura da ação relativa à linha 2 do Metrô. O juiz da 30.ª Vara Criminal avalia que o crime de fraude se consuma com a assinatura do contrato administrativo. Mendroni não admite essa tese. “Tratando-se de crime permanente, ele se renova, se protrai no tempo, conforme novas ações criminosas são praticadas, mesmo em sede de cumprimento do contrato, e com respectivos pagamentos. Nestas condições, o crime estará perfeitamente consumado somente com o fim do cumprimento do contrato, fixando-se aí o termo inicial da prescrição.”

O promotor ampara seu recurso em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). “O crime de cartel não se consuma em um único momento, no edital de pré-qualificação. O crime de cartel só se inicia neste momento, perpetuando-se, todavia, pela vontade dos agentes, a cada reunião, a cada acordo, ajuste, convênio e/ou aliança.

Perpetua-se, depois, em caso de adjudicação do contrato, do objeto da licitação, em solução de continuidade, pois todos os inúmeros atos decorrentes do contrato só se realizaram pelos agentes das empresas consorciadas porque formaram o cartel.”

Para Mendroni, “os integrantes do cartel estendem os seus tentáculos para toda a execução do contrato, continuando a irradiar seus efeitos”.

O promotor é categórico: “Nestas condições, o cartel se forma e já se consuma, meramente, com ajustes, acordos, etc, em um determinado momento. Estes ‘ajustes, acordos, convênios’ entre as empresas depois podem variar em face dos termos de uma determinada/específica licitação, alternando-se as empresas vencedoras, perdedoras e subcontratadas, diante das mais adversas condições, como, por exemplo, exigências do edital. Por evidente, não podem configurar o mesmo delito.”

Sua linha de raciocínio: “No delito de fraude imputado na denúncia, a fraude se repete, por ação dos agentes que dão andamento ao contrato decorrente da licitação, praticando os respectivos atos. O contrato se prolonga no tempo, tanto quanto os seus efeitos, mas pela conduta de agentes.”
Marcelo Mendroni pondera que “a administração pública depende da finalização do contrato para entregar a obra, o bem ou o serviço público e paga, ou melhor, vai pagando por ele, conforme as etapas vão sendo cumpridas”.

“Então, por evidente, os agentes efetivamente praticam atos – agem – e assim têm o domínio de cada ato, do momento da sua finalização, este, o momento consumativo do crime”, crava o promotor no recurso contra a decisão da 30.ª Vara Criminal. “Nesta esteira de raciocínio, nos crimes de cartel e de fraudes à licitação, o agente vai reiterando a execução do crime no decurso do tempo – execução do contrato administrativo. Esta é a questão chave da diferenciação”.

Mendroni aponta para outro tipo de fraude. “No caso de fraude à Previdência Social, da mesma forma que na Fazenda Pública para o caso de fraude à licitação, o ente público é enganado na primeira vez (do pagamento), mas continua sendo enganado no decurso do tempo. Não fosse assim interpretado, no caso de fraude à Previdência Social o prazo prescricional começaria a correr logo a partir do primeiro pagamento ilegal, em evidente prejuízo – irreversível – aos cofres públicos.”

E faz uma importante advertência. “Ainda que houvesse interpretação duvidosa a respeito da configuração dos delitos de cartel e fraude à licitação, e não há, seria mais correta a interpretação mais favorável à administração pública, atendendo-se aos princípios da legalidade, da eficiência e principalmente da moralidade, estampados no artigo 37 da Constituição Federal.”

Segundo Mendroni, “desde 1910, a Suprema Corte dos Estados Unidos entendeu que um conluio antitruste permanece até que os objetivos sejam alcançados ou abandonados”.

Na conclusão do recurso, Marcelo Mendroni revela seu inconformismo. “Não concordamos com a análise do juiz a respeito da tese de prática de ‘crime único’ – formação de cartel e fraude à licitação –, e tampouco do consequente termo inicial da prescrição em relação ao crime de fraude à licitação. Enquanto o juiz entende que se trata de crime formal (sem referir o seu caráter permanente), nós interpretamos que se tratam de crimes formais de natureza permanente. A natureza dos delitos é de crime formal de natureza permanente. Se os delitos são crimes formais, de efeitos permanentes, ou crimes permanentes, a sua prescrição só começa a correr do dia em que cessa a permanência, e não do dia da sua consumação, como decidiu o magistrado.”

Fonte da Notícia: O Estado de São Paulo
Imagem de Diego Silva

Nenhum comentário:

Postar um comentário