Os trens do Metrô e da CPTM registraram, em 2015, uma média de um caso de abuso sexual a cada dois dias.
Entre Janeiro e Dezembro de 2015, foram contabilizados 181
casos, o que equivale a um aumento de 21% em relação às 150 ocorrências
registradas em 2014.
É o que aponta levantamento inédito feito pelo Fiquem Sabendo com base em dados da Delpom, da Polícia Civil, obtidos por meio da Lei Federal nº 12.527 (Lei de Acesso à Informação).
Essa delegacia é responsável por registrar e investigar os casos de
abuso sexual no sistema metroviário ocorridos em toda a capital
paulista.
Não estão computados nesse levantamento eventuais ocorrências de
violência sexual registradas por passageiras da CPTM em delegacias de
outras cidades da Grande São Paulo.
A reportagem tabulou o número de boletins de ocorrência com as três
naturezas criminais mais tipificadas pela Polícia Civil em relação ao
abuso sexual: importunação ofensiva ao pudor, que, pela lei brasileira,
não é crime, mas sim uma contravenção penal (delito de menor gravidade,
que não prevê prisão em caso de condenação de um acusado), e os crimes
de violação sexual mediante fraude e estupro.
Entre 2011, quando foram registrados 90 casos de abuso sexual nos
trens do Metrô e da CPTM na cidade de São Paulo, e 2015, o número total
de casos de abuso sexual nos trens do Metrô e da CPTM dobrou.
Segundo o delegado Osvaldo Nico Gonçalves, diretor do Decade, responsável pela
Delpom, o que leva a polícia, na prática, a classificar uma situação de
abuso sexual no transporte público como contravenção ou crime “é a
análise do caso concreto feita pelo delegado, tendo por base a gravidade
da situação e o fato de o acusado ter agido ou não com violência”.
“Há todo tipo de abuso sexual nos trens. As situações em que o
sujeito encosta na mulher são, na maioria das vezes, importunação
[ofensiva ao pudor]. Agora, há casos em que o homem chega a ejacular. Aí
é estupro direto. [A classificação] Depender da gravidade”, explica o
delegado.
A lei brasileira estipula penas bem diferentes para cada uma dessas
condutas: apenas o pagamento de multa para a importunação ofensiva ao
pudor, prisão de dois a seis anos para a violação sexual mediante fraude
e de seis a dez anos em caso de estupro.
Maioria dos casos é considerada delito leve
Dos 181 casos de abuso sexual nos trens do Metrô e da CPTM
registrados em 2015, 94% deles (171) foram classificados pela Polícia
Civil como importunação sexual mediante fraude; sete foram considerados
violação sexual mediante fraude (4% do total) e apenas três (2%),
estupro.
O fato de a grande maioria dos casos de abuso sexual ser classificada
como delito de menor gravidade ocorreu em todos os cinco anos com
estatísticas analisadas pela reportagem, tanto no Metrô quanto na CPTM).
Em 2011, por exemplo, a CPTM registrou 27 casos de importunação sexual,
um de violação sexual mediante fraude e nenhum de estupro. No mesmo ano,
no Metrô, foram contabilizadas 60 ocorrências de importunação, duas de
violação sexual mediante fraude e nenhuma de estupro
Na avaliação do jurista e professor de direito penal Luiz Flávio
Gomes, isso só ocorre porque a lei brasileira não prevê, concretamente,
um crime intermediário entre a importunação e o estupro.
“Pela lei, a importunação ofensiva ao pudor pressupõe que não haja
toque físico. Um exemplo disso é a situação em que o homem chama a
mulher de bunduda, gostosa ou qualquer outra forma que a ofenda”, diz
Gomes. “Havendo toque físico, qualquer que seja ele, é estupro.”
De acordo com o jurista, o fato de o estupro ter uma pena muito alta
faz com que a polícia e o próprio Poder Judiciário classifiquem os casos
de abuso sexual de outras formas. Assim, eles evitam que as “encoxadas”
praticadas no transporte público sejam punidas como estupro.
“Deveria ser criado o crime molestamento sexual, com pena de dois a
seis anos, como está previsto na reforma do Código Penal, em tramitação
no Senado. Como ele ainda não existe, as autoridades hoje ‘forçam a
barra’, enquadrando casos de abuso sexual como violação sexual mediante
fraude e importunação, quando não o são.”
Pela lei, diz Gomes, a violação sexual mediante fraude se aplica a
casos em que o suspeito mente para a vítima, passando-se por outra
pessoa, para levá-la a fazer sexo ou praticar outro ato libidinoso com
ele, por exemplo. “Não vejo como isso pode ocorrer no transporte
público.”
A Secretaria de Estado da Segurança Pública informou por meio de nota
enviada por sua assessoria de imprensa que “os casos de abuso sexual no
sistema metroviário têm aumentado, ano após ano, conforme aumento do
número de passageiros e a intensificação do trabalho policial para
reduzir a subnotificação das ocorrências de importunação ofensiva ao
pudor”. “Através do monitoramento por câmeras de segurança e agentes
infiltrados em vagões, a polícia civil observa e atua em caso de
atitudes suspeitas.”
Quanto ao fato de haver mais casos registrados no Metrô do que na
CPTM, a secretaria disse que isso ocorre porque “as linhas e estações da
CPTM abrangem grande parte da Região Metropolitana São Paulo e não
apenas a Capital”. “As ocorrências da Grande São Paulo são registradas
nas delegacias de cada área, distribuindo os registros.”
Campanhas têm estimulado registro de ocorrência, afirma Governo
A Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos, responsável
pelo Metrô e pela CPTM, disse por meio de nota que as duas empresas “vêm
intensificando suas campanhas de cidadania e conscientização e as ações
de combate ao crime”. Segundo a pasta, isso “tem estimulado mulheres
que passam por este constrangimento a registrarem denúncia e BO em
delegacias de polícia”.
De acordo com a secretaria, desde o início da campanha “Você não está
Sozinha”, no Metrô, em 2014, o número de relatos de abuso sexual
recebidas pelo Metrô por meio de seu SMS-Denúncia tem crescido. “O
número de registro de ocorrências saltou de 76 em 2013 para 120 em 2014 e
146 em 2015.”
O número do SMS-Denúncia do Metrô é o 97333-2252.
A pasta informou que, no Metrô, “foi criado um programa de combate ao
abuso no qual todos os agentes de segurança e de estação passaram por
treinamento para acolhimento das vítimas”. Segundo a secretaria, 9 em
cada 10 suspeitos de abuso sexual são detidos pelos agentes de segurança
do Metrô e encaminhados para as autoridades policiais.
Com relação à CPTM, a secretaria diz que também é feita uma campanha
de conscientização, por meio de mensagens sonoras nos trens e estações e
nas redes sociais. O número do SMS-Denúncia da CPTM é o 97150-4949.
Em 2015, seguranças da CPTM detiveram 92 suspeitos de abuso sexual.
Ainda segundo a secretaria, tanto no metrô quanto na CPTM, os canais
de denúncia “garantem total anonimato” ao denunciante. Os agentes de
todo o sistema metroviários também são treinados para auxiliar e a
acompanhar a vítima até a delegacia, onde é feito o registro da
ocorrência.
Fonte da Notícia: Fiquem Sabendo
Gráficos: Fiquem Sabendo
Imagem: Metrô
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