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sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Como o Metrô lida com passageiros que caem nos trilhos?

Trilhos da Linha 2-Verde do Metrô
Diante do absurdo caso ocorrido semana passada com o vendedor ambulante Adílio Santos que, ao entrar na via (ou trilhos) dos trens da SuperVia carioca foi atropelado, abriu-se uma discussão sobre como tais ocorrências são tratadas nos meios de transporte “de massa” no Brasil.

Na ocasião, Adílio, que circulava pela via para, supostamente, fugir de fiscais da estação, foi atropelado por um primeiro trem e, após já estar estirado nos trilhos, foi novamente atropelado por um segundo minutos depois. O segundo atropelamento foi autorizado pelo centro de controle da SuperVia que, após o incidente, justificou a decisão baseando-se na quantidade de pessoas na estação (cerca de  6 mil) e na “prioridade para fazer o sistema circular”. 
 
Não fosse o bastante, Adílio, que após o primeiro atropelamento foi declarado “morto” pela SuperVia, mesmo sem nenhum médico ou bombeiro atestar sua morte, ficou por mais de 2 horas (!!!) até ser “recolhido” pelos bombeiros.[1]

Em qualquer local e em qualquer situação, caso um acidente ocorra, o procedimento médico e legal é o de acionar um serviço médico imediato que, chegando a tempo, possa propiciar o atendimento para salvar a vida da vítima ou, no mínimo, mantê-la viva para atendimento mais adequado.

Do ponto de vista legal, igualmente, em qualquer situação, é necessário que, para se atestar a morte de alguém, haja a presença de um profissional treinado, de preferência um médico ou bombeiro que, não apenas poderá pela via de exames “imediatos” atestar o óbito, como isolar a via para a perícia analisar as causas do acidente.

Sem tal procedimento, o indivíduo não pode ser considerado de forma adequada como morto e, assim, em diversos casos, como o de Adílio, pode ser que nem mesmo estivesse e com ações como esta, completamente por fora de qualquer norma que priorize a vida, tenha perdido a vida. 
 
A situação do transporte metroferroviário brasileiro é tão bárbara que há centenas de metros (ou alguns quilômetros) de distância, um centro de controle, com chefes que não são médicos, nem bombeiros, atestam a morte de um indivíduo e não contentes, passam por cima de qualquer procedimento legal, mandando um trem passar por cima do corpo para garantir que os demais trens sigam circulando, impedindo qualquer perícia para analisar as causas do acidente.

Ao usar o argumento hipócrita de que “haviam muitos usuários que poderiam também se acidentar”, a diretoria da SuperVia, como a do Metrô de SP, desvia a atenção do problema incontornável da superlotação dos sistemas metroferroviários, sua péssima qualidade, o stress e caos cotidiano que provoca na vida dos trabalhadores tentando, assim, jogar a população, como sempre, contra si mesma, como no caso da enquete sobre se era “certo ou errado” atropelar Adílio.

Não “atrapalhar o tráfego” para manter os lucros é a prioridade em oposição a vida humana.
 
Existe definição mais crua de barbárie?

No Metrô de SP a prioridade também é “circular o sistema”

Recentemente, além dos ataques de privatização de linhas de metrô, como a Linha 5-Lilás e trens, muitas denúncias tem saído do “baú escuro” do metrô de São Paulo, tendo destaque a investigação de executivos de grandes multinacionais envolvidos com superfaturamento e cartéis [3].

O metrô, nas mãos de um punhado de chefes ligados a administração de Geraldo Alckmin e PSDB, se transformou numa “galinha dos ovos de ouro”, lucrando milhões e, claro, sendo espaço de corrupção e enriquecimento de muitos burocratas, como denunciado nas investigações sobre cartéis.

O que, no entanto, não vem a tona, muitas vezes ofuscado pelos escândalos de corrupção, as obras atrasadas da Linha 4-Amarela pagas com dinheiro público mas de “ganhos privatizados” e as privatizações e possíveis demissões, são casos como o que ocorreu na SuperVia do Rio de janeiro.

O metrô de São Paulo, já é conhecido como uma empresa pouquíssimo transparente e que impede acesso a informações sobre acidentes e ocorrências internas, seja com pessoas ou trens[4].

Numa cidade sufocante, com um ritmo de trabalho exaustivo e salários baixíssimos para a maioria dos trabalhadores, em que as opções de lazer e cultura para a classe trabalhadora são restritas, o índice de stress e de “doenças da mente” são elevadíssimos.

Só em São Paulo 10% da população sofre de depressão e os casos de suicídio no Brasil chegam a mais de 10 mil casos por ano[5]. Diante desta realidade, são numerosos os casos de suicídios também no sistema metroferroviário. Estimativas divulgadas por fontes que tentam pesquisar os acidentes variam de 2 a 3 casos por mês no metrô, inclusos os casos que não terminam em morte.

No caso da SuperVia, uma das justificativas para atropelar o ambulante era a de que “uma manobra em ré seria muito complicada”. Por mais que não haja casos de atropelamento autorizado pelo centro de controle (no metrô conhecido como CCO) no metrô de SP a lógica é a mesma.

Se a prioridade de um sistema que lida com milhões e milhões de pessoas fosse a vida (o que deveria ser uma obviedade que não necessitaria sequer de discussão), medidas simples como “dar ré” para permitir análise adequada da situação de qualquer corpo caído na via; paralisação do sistema (e viabilização de ônibus para os passageiros) até a chegada de bombeiros e médicos que possam prestar auxílio e retirar a vítima dos trilhos ou debaixo dos trens; a instalação de portas automáticas (como a que existe em algumas poucas estações), que impedem quedas acidentais ou propositais; a contratação de mais funcionários que possam fiscalizar e “desenergizar” os trilhos caso haja alguma queda; a construção de mais estações e mais investimento (sob controle dos trabalhadores e não dos mafiosos dos cartéis) para construção de mais linhas desafogando a superlotação; tudo isto seriam medidas não apenas “fáceis” como desejáveis.

Para os governantes e diretores, muitos deles investigados por envolvimento com cartéis, desvios de verba e superfaturamento, no entanto, todas estas medida são inviáveis por razões “financeiras e de custeio”. O que é viável é colocar a culpa em quem “pulou ou caiu” e conduzir os trabalhadores a brigarem entre si chegando ao absurdo, em termos civilizatórios, de se verem obrigados a opinar se estava “certo ou errado” atropelar um corpo para “não prejudicar” o sistema (!!!).

Enquanto isto, ninguém pergunta o quanto prejudicou “o sistema” e impediu a ampliação de linhas, a manutenção e aquisição de equipamentos de segurança, contratação de mais funcionários e construção de mais estações, os milhões desviados e superfaturados pelos corruptos envolvidos em todos os escândalos.

Como é na prática?

No metrô de São Paulo, quem retira as pessoas que caem na via, são os agentes de estação (listrados de azul, que sequer recebem adicional de periculosidade) ou seguranças.

Após receberem um treinamento prático de um dia (isto mesmo, um dia!) em que supostamente se encena um “resgate” o mais rápido possível embaixo de um trem, com um treinamento teórico rápido, estes funcionários são lançados a tarefa de descer a via e retirar um corpo, agonizante ou já morto.

Segundo denúncias, respondendo a um código, vestem um macacão amarelo, se lançam embaixo do trem que muitas vezes decepou ou prensou uma pessoa e de lá devem constatar a morte ou não desta pessoa (e baseando-se em determinados critérios "genéricos"se determina se é o agente de estação ou de segurança quem resgata), arrancá-la debaixo de um trem sob uma temperatura de 60º, lançá-la dentro de um saco preto (e caso tenham algum membro decepado, lançar este membro dentro deste mesmo saco preto) e retirá-la, presa a uma maca, o mais rápido possível da estação. Caso o corpo esteja preso, sob autorização oficial, segundo denúncias, pode-se mover o trem para retirar a vítima da situação prensada.

Não são médicos, não são bombeiros, não há ambulâncias, perícia, serras para retirar vítimas prensadas, não há médicos para atestar a morte, não paralisam a estação para analisar a causa do acidente, não há bombeiros ou médicos de plantão (ao menos nas estações mais movimentadas), nada do “básico” em casos de acidente.
O que há são pessoas que receberam um dia de treinamento para decidir, estando sujeitos a todos os traumas, sob a vida ou a morte de alguém.

No fim das contas, no entanto, não é sua culpa, afinal para o metrô também a prioridade é “circular o sistema” uma vez que a pressão das chefias antes, durante e depois destes casos é para que os trabalhadores realizem rapidamente a retirada.

Diante desta pressão os trabalhadores, outras vítimas destes casos, se vêem pressionados a realizar esta ação que até mesmo para um paramédico seria difícil e ainda temem possíveis represálias.

Casos de depressão, ansiedade, pânico e distúrbios psicológicos se desenvolvem em numerosos trabalhadores envolvidos nestes “resgates” já que além do precário treinamento, não está necessariamente previsto acompanhamento psicológico, segundo denúncias de envolvidos.

Assim, como no RJ, em São Paulo, circular em um sistema saturado e superlotado é uma verdadeira tarefa de risco para quem ali trabalha ou utiliza e, claro, o lucro se sobrepõe a soluções simples que poderiam diminuir a incidência de casos.

Antes, no entanto, de dar a resposta mais pragmática possível, de que era um “ambulante” contra milhares de “trabalhadores”,pense bem: e se fosse você caindo na via? Gostaria que este fosse o atendimento?
 
Fonte da Notícia: Do Transe à Revolta.
Créditos da Imagem Reservados ao Autor

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