Documentos obtidos pelo Cade, aos quais o G1 teve
acesso, mostram que executivos da Siemens impuseram à Alstom, como
condição para fazer parte de um cartel na licitação para manutenção do
Metrô DF, em 2005, a futura subcontratação da empresa alemã na licitação
da Linha 4 - Amarela do Metrô de São Paulo.
A proposta não foi colocada em prática, de acordo com o Cade, mas indica
que empresas concorrentes buscaram acertos velados, ilegais, que ferem
as regras para licitações públicas em outros contratos, além dos que são
alvo do processo atual no conselho.
Os documentos foram entregues ao Cade pela própria Siemens, que assinou
acordo de leniência em troca de imunidade pelo auxílio à Justiça. Também
houve busca e apreensão em empresas supostamente envolvidas, por ordem
judicial.
Ao abrir a investigação mais recente na última sexta-feira (9), que trata as empresas como "organizações criminosas",
o promotor Marcelo Mendroni afirmou que o crime de cartel se configura
independentemente de um resultado. "A mera reunião, um acordo, ajuste
das empresas, mesmo que não cheguem ao resultado de fraudar a licitação,
só o acordo já faz configurar o crime de cartel", afirmou. Já a fraude à
licitação precisa ser consumada para haver condenações.
O Cade investiga inicialmente indícios de cartel nos contratos de cinco
projetos: trens e equipamentos para o Trecho 1 da Linha 5-Lilás; para
expansão da Linha 2-Verde do Metrô; manutenção de trens das séries
S2000, S2100 e S3000 e modernização da Linha 12-Safira da CPTM em São
Paulo, durante governos do PSDB, e para manutenção do Metrô do Distrito
Federal, durante gestão do PMDB.
Estratégia
A tratativa sobre a Linha Amarela teria sido consequência de conversas sobre uma “cooperação geral” entre Siemens e Alstom, para que participassem conjuntamente de todos os projetos “turn key” lançados no Brasil --no contrato “turn key”, várias empresas desenvolvem um empreendimento, do começo ao fim, e o colocam em operação, caso da Linha 4.
A tratativa sobre a Linha Amarela teria sido consequência de conversas sobre uma “cooperação geral” entre Siemens e Alstom, para que participassem conjuntamente de todos os projetos “turn key” lançados no Brasil --no contrato “turn key”, várias empresas desenvolvem um empreendimento, do começo ao fim, e o colocam em operação, caso da Linha 4.
O processo de licitação para manutenção do Metrô do Distrito Federal
começou em 2005. A Alstom já havia liderado o consórcio vencedor da
construção, que estava se encerrando. Segundo informações coletadas pelo
Cade, para ganhar a licitação a Siemens decidiu contratar dois
funcionários da Alstom, sem os quais a alemã não conseguiria atender a
exigência técnica para qualificação do edital.
A Siemens relatou ao Cade que, com medo de perder, a Alstom ofereceu
contratos anticompetitivos às concorrentes para dividir o projeto. Para
evitar que a Alstom conturbasse a licitação, a empresa alemã disse que
aceitaria o cartel, com a condição de sua subcontratação na Linha
Amarela. O acordo também seria uma forma de compensação pela contratação
dos funcionários da Alstom.
Nos e-mails entre os executivos, trocados em 2006, parte do escopo da
Linha 4 era condição considerada “estratégica” pela Siemens. “Houve
contatos entre os representantes dessas duas empresas entre meados de
2003 e início de 2006”, informa o relatório do conselho.
Conforme as investigações, o consórcio do qual fazia parte a Alstom
venceu a licitação dos lotes 1 e 2 da Linha 4 em São Paulo em 2003, mas a
Siemens “desejava fornecer subsistemas” para parte do contrato nesses
lotes.
Em um dos e-mails, um executivo da Siemens afirma ter recebido uma
ligação de um dirigente da Alstom perguntando se “vinculamos a
subcontratação nos lotes 1 e 2 a um acordo no Metrô DF”. “Eu
‘refresquei’ a memória dele quanto a nossa conversa antes do Natal, onde
deixei bem claro que teríamos que tratar os dois temas
concomitantemente.”
A troca de e-mails mostra também que a Siemens acreditava estar sendo
“enrolada” pela Alstom sobre a Linha 4. “Qual será a próxima desculpa?”,
questionava um executivo. O outro responde que eles ficariam “firmes”
nessa posição de “cooperação”.
Tentativa
As mensagens não informam se o acordo foi fechado incluindo a Linha 4. O Cade trata essa condição como uma “tentativa” que não obteve sucesso.
A Secretaria dos Transportes Metropolitanos de São Paulo informou que a Siemens não foi subcontratada no consórcio Via Amarela.
O processo sobre a Siemens contém apenas a ata assinada pelas quatro
empresas constituindo o cartel no DF, que foi fechado em fevereiro de
2006, segundo o Cade.
O consórcio Metrô Planalto
(Alstom/Iesa/TCBR) ficaria com 52% e o consórcio Metroman
(Siemens/Serveng-Civilsan), com 48%. Na ata, eles se comprometem
subcontratar o outro, nesses percentuais, caso fossem vencedores. As
empresas também se comprometeram a não entrar na Justiça uma contra a
outra. O consórcio Metroman venceu a licitação.
Na Linha 4, parceria-público privada, de sete consórcios aptos, foram vencedores os Consórcios Via Amarela (lotes 1 e 2) constituído pela empresas CBPO, OAS, Alston e Queiroz Galvão; e o Consórcio Camargo Corrêa (lote 3), formado pela Camargo Corrêa, Siemens, Mitsui e Andrade Gutierrez. Depois de assinado o contrato, a Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez também foram incluídas no primeiro consórcio.Para o Cade, o documento é “notadamente anticompetitivo e configura prática de cartel, pois consiste em verdadeira divisão de mercado e combinação de preços entre competidores”. “Todas as empresas seriam beneficiadas, independentemente do resultado do processo licitatório”, conclui.
O contrato da Linha 4 foi contestado pela bancada do PT na Assembleia
Legislativa depois da morte de sete pessoas soterradas no desabamento da
futura estação Pinheiros, no dia 12 de janeiro de 2007, que abriu uma
cratera e culminou na paralisação das obras. A bancada pediu a abertura
de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) alegando que o contrato
mais parece um “acordo”, uma “ação entre amigos”. A CPI não foi aberta.
"Esses escândalos vão juntar todo esse período, porque as empresas são
as mesmas, e outras empresas vão aparecer”, afirmou o deputado Ênio
Tatto (PT). “Fizemos várias representações para o Ministério Público. Em
20 anos, não se apura nada. É vergonhoso agora ter que desarquivar
diversos inquéritos. Uma CPI, se não sair em São Paulo, vai sair em
Brasília. E as empresas delatando, não tem como fugir", afirmou ao G1.
Investigações e indenização
As suspeitas de cartel também são investigadas pelo Ministério Público de São Paulo nas esferas cível e criminal, somando cerca de 45 inquéritos --cerca de 15 deles já estava arquivados.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou na tarde desta terça-feira (13) que irá à Justiça para exigir uma indenização da empresa alemã Siemens por
causa do suposto cartel. “Estamos entrando com medida processual contra
a Siemens. Se ficar comprovado que outras empresas participaram desse
conluio, todas serão processadas. A Siemens é ré confessa”, afirmou em
entrevista no Palácio dos Bandeirantes, na Zona Sul de São Paulo. O
governo também nega qualquer irregularidade nas licitações.
As empresas investigadas negam participação em cartel ou conluio para
obtenção de contratos. A Siemens afirma cooperar "integralmente com as
autoridades". A Alstom esclareceu que recebeu um pedido do Cade para
apresentar documentos relacionados a um procedimento administrativo
referente à lei concorrencial. "A empresa está colaborando com as
autoridades", diz em nota.
SPR: UMA LENDA INGLESA-
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